DEEP ECONOMY

No dia 14 de abril deste ano, mais de 1.400 manifestações eclodiram de maneira simultânea em várias cidades dos Estados Unidos. A maioria delas não reuniu multidões, mas algumas centenas de pessoas com o mesmo propósito - pressionar o governo para estabelecer uma meta de reduzir a emissão de gases do efeito estufa em 80% até 2050. Os protestos aconteceram em praças, universidades e até debaixo d'água. Na Flórida, alguns manifestantes mergulharam e, ao lado de um recife de corais, exibiram cartazes com os dizeres: "Está ficando quente aqui embaixo".Em novembro, esse pessoal promete ir às ruas de novo. Será a segunda investida da Step it up (em português, um grito de ordem como Avance), uma ação com o objetivo nada modesto de ter o mesmo impacto que os movimentos pelos direitos civis dos negros no país na década de 60.

Quem está por trás dela é o ambientalista americano Bill McKibben. Aos 46 anos, ele já é destaque na mídia devido a seus livros que defendem o desenvolvimento sustentável há quase duas décadas. O primeiro deles, The End of Nature (O Fim da Natureza, editora Nova Fronteira), publicado em 1989, representa um dos registros pioneiros na literatura sobre os perigos do aquecimento global. A obra mais recente, lançada neste ano nos Estados Unidos - e ainda sem previsão de lançamento no Brasil -, é Deep Economy (em português, "Economia profunda"), um libelo contra o conceito clássico de crescimento econômico. Mesmo considerado por muitos um ecochato, McKibben, ex-repórter da prestigiada revista The New Yorker, sempre conseguiu fazer com que seus livros se transformassem em best-sellers. Um dos motivos é a linguagem simples, que passa longe do jargão dos especialistas. Ele está repetindo o feito com Deep Economy, que logo chegou à lista dos mais vendidos do jornal americano The New York Times após seu lançamento.

O livro tem como tese central a idéia de que a busca incessante pelo crescimento econômico no último século não só nos colocou frente a frente com o fantasma do aquecimento global como não nos proporcionou um mundo com me nos desigualdades. McKibben bate na tecla de que, embora estejamos exaurindo os recursos naturais, os pobres não estão ficando menos pobres. Ele defende, por exemplo, o desenvolvimento de pequenos produtores em detrimento das grandes companhias, como a gigante de alimentos Cargill e a rede de varejo Wal-Mart (a maior empresa do mundo), mesmo que para isso os consumidores tenham de pagar mais caro pelos produtos.

Até aí, ele é só mais um entre dezenas de outros anti-Thomas Friedman, o jornalista americano autor do best-seller O Mundo É Plano e um defensor da globalização e do crescimento. A narrativa de McKibben, porém, torna-se particular quando ele compila dezenas de estudos para apresentar o segundo argumento contra a obsessão pelo "mais": o de que o dinheiro não traz felicidade. McKibben não prega que os países pobres devam permanecer miseráveis e estagnados. Mas argumenta que os muito ricos não são mais felizes por acumular ainda mais bens. A idéia, embora não exatamente original (permeou também, por exemplo, o livro Felicidade - Diálogos sobre o Bem-Estar na Civilização, lançado em 2002 pelo economista brasileiro Eduardo Gianetti da Fonseca), é poderosa. "Em geral, estudos revelam de forma clara que o dinheiro compra a felicidade onde a renda per capita é inferior a 10.000 dólares", escreve ele. "Acima disso, porém, essa correlação desaparece." E, segundo McKibben, há provas concretas disso. De 1950 para cá, o PIB dos Estados Unidos triplicou, e dobraram o número de veículos, o tamanho da casa e o consumo de plástico de uma família típica. Curiosamente, levanta o autor, desde o final da Segunda Guerra Mundial, o Conselho Nacional de Pesquisa de Opinião faz todos os anos uma pergunta simples a milhares de americanos: "Você é feliz, muito feliz ou não muito feliz?" O percentual de pessoas que disseram ser muito felizes atingiu seu auge em 1950 e vem caindo desde então.

Em 1994, por exemplo, durante a expansão econômica proporcionada pela gestão de Bill Clinton, menos de um terço do universo pesquisado declarou ser muito feliz. Essa dissonância entre poder de consumo e satisfação, afirma McKibben, vem à tona em ocasiões como o Natal, quando pesquisas revelam que um terço dos americanos se diz dividido entre o prazer de comprar loucamente e a ansiedade de não saber onde guardar tanta coisa depois. McKibben não gasta todas as páginas de Deep Economy exorcizando o consumo, mas propondo que ele seja feito de maneira mais consciente. O autor sugere, por exemplo, que todas as pessoas se transformem em locavores - termo que os americanos criaram para definir quem opta por comprar alimentos produzidos localmente. Ele enumera várias razões para isso. Uma delas é que, devido à consolidação das empresas de alimentos no país, uma cenoura ou uma maçã viajam, em média, 2.400 quilômetros antes de chegar a qualquer loja das grandes redes de varejo no país. O impacto social dessa saga, afirma McKibben, é a falência dos pequenos produtores. O ambiental é o volume absurdo de carbono que essas tais viagens emitem. Papo de radical? Pode ser. Mas há indícios de que o autor não é o único. Segundo dados do próprio Ministério da Agricultura dos Estados Unidos, graças ao aumento dos locavores, o número de pequenos mercados de fazendeiros no país subiu de 1.755 em 1994 para 4.388 no ano passado.

POR QUE LER?
Um dos mais renomados ambientalistas da atualidade discute os desafios da economia em tempos de aquecimento global. "Nosso maior desafio - e a única questão real do nosso tempo - é descobrir como podemos transformar a economia atual para lidar com o que podemos prevenir e com o que não podemos." (com informações PLANETA SUSTENTÁVEL)



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